Estes fatos que ora narro são verídicos. Revelam um sofrimento passado. Difícil alguém que não passou por isso compreender a dimensão da angústia vivida. Mas, passo à narrativa.
Correspondia-me com uma moça do Estado do Rio. Pois é, nesse tempo ainda havia quem se correspondesse por cartas. Os Correios eram uma instituição ainda séria. E, dificilmente, alguma correspondência era extraviada.
Em uma série de cartas postadas pela moça do Rio, uma tinha o número 5. Era uma carta que vinha com dez páginas, e uma homenagem pelo meu aniversário. Só fiquei sabendo desta carta algumas semanas depois, quando chegou a carta de número 8. Nesta, que era resposta de uma minha que enviara reclamando sobre o fato de, no meu aniversário, ela não ter me enviado nada, já que no dela, que tinha ocorrido menos de um mês antes eu tinha enviado muitas coisas.
Na carta número 8 ela dizia que havia enviado a carta 5 uma semana antes do meu aniversário. E nela havia desenhos, poesia, e narrativas de fatos que não era possível reproduzir. E, como havia sido registrada a carta, era possível reclamar nos Correios. Ela me enviava o número da postagem e a data da mesma. Fui nos Correios e relatei os fatos com o número do registro. A pessoa que me atendeu informou que ela, lá no Rio, onde a carta havia sido postada, era quem tinha que fazer a reclamação.
Bem, valem dois esclarecimentos:
1) de que, nesse tempo, telefone era uma coisa muito rara. E difícil. Quando se pretendia fazer uma ligação interestadual, não era possível fazer do próprio telefone. Que não era celular. Nesse tempo, celular não existia. Era necessário ir até uma cabine telefônica e carecia marcar hora. E quase nunca se completava a ligação naquela hora marcada pois, nem sempre as condições meteorológicas permitiam. Por vezes ficava-se aguardando por horas. Além de serem muito caras estas ligações. Por essa razão, raramente se faziam chamadas interurbanas.
2) de que as cartas 6 e 7 foram escritas antes de ela saber que a carta número 5 se extraviara.
Bem, eu escrevi uma carta informando a ela o que o atendente dos Correios me dissera. E fiquei aguardando. Um mês, dois, três... e nada de a carta número 5 chegar.
Nesse meio tempo, fiquei sabendo, através de outras cartas trocadas, que ela fizera a reclamação e que disseram que, como a carta era "gorda" (tinha dez páginas), havia a possibilidade de alguém ter aberto a carta na esperança de que contivesse dinheiro dentro. E isso tornaria impossível sua recuperação.
Todos os dias eu esperava o carteiro e perguntava se havia alguma coisa pra mim. Ele até já me conhecia. Antes de eu perguntar ele já ia dizendo: nada ainda. Até que um dia, a carta chegou. Foi uma espera angustiante. Durante essa espera, cheguei a ir ao Rio e conhecê-la pessoalmente. Nosso relacionamento terminou. E eu não recebi a carta. Já nem mais me correspondia com ela quando chegou a carta. Quase seis meses depois. E não tinha mais o mesmo valor que teria se tivesse chegado a tempo.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Uma carta atrasada.
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