Reminiscências de um hospital (Parte 1)
Foi Raimundo Carrero, com sua enorme simpatia, através do seu blog (http://www.raimundocarrero.com.br/) que me inspirou e recomendou a criação deste conto. E eu, com meu saudosismo renitente, aceitei o desafio e começo aqui, a escrevê-lo ou ensaiá-lo.
Já se vai longo o tempo e, talvez, detalhes se percam nesta narrativa. Precisarei procurar exames, papéis, anotações, lembranças, para reacender a memória, hoje já com algumas falhas.
Recordo bem da sensação, embora não tenha mais certeza da data. Retorcia-me na cama, com dores insuportáveis naquela noite na casa de Rejane, minha namorada. Remédios, que não tomo, fui forçado a ingerir, sem nenhum efeito satisfatório. Novalgina, Dorflex, Buscopan composto... Nada resolvia. A madrugada chegava e as dores só aumentavam. Já amanhecendo o dia, Rejane atônita e insegura, resolve levar-me ao hospital. Dou entrada na emergência do Hospital Português na madrugada daquele dia que não terminara desde a noite do dia anterior. Meu pai estava internado naquele hospital que tantas vezes visitara nos últimos oito meses, desde um acidente hospitalar no Hospital Geral Militar, onde perdera cerca de 70% dos intestinos e alimentava-se através de máquinas, não conseguindo mais absorver os nutrientes da alimentação natural. Durante todo o dia, foram realizados exames de todo tipo sem conseguirem descobrir o que causava aquelas dores insuportáveis que me massacravam e me deixavam em estado de letargia. Já era noite alta, quando Dr. Raimundo, o médico que assistia meu pai, resolveu dar uma olhada no meu caso que até então, nenhum dos médicos que me atendera ainda conseguira diagnosticar. Tempos depois, fui saber que tinham diagnosticado câncer generalizado e que não seria possível mais operar. E tinham me dado um atestado de óbito antecipado pela análise dos exames até então realizados. Foi quando minha família (meus irmãos e irmãs), inconformada com aquele diagnóstico, solicitou ao dr. Raimundo para fazer uma avaliação do meu caso.
Sabem qual foi a primeira pergunta que ele fez aos que estavam me atendendo naquele hospital? Cadê o RX? Ninguém tinha solicitado isso. Era coisa obsoleta. Pra que RX? Ora, disse ele, preciso de um RX do paciente agora! Levem-no imediatamente pra sala de RX. Levaram-me mais uma vez para um novo exame e eu, que já estava cansado de tanto me deslocar ali por aqueles corredores, me desfazia em dores.
Já fazia mais de meia hora que estava ali parado, sentado numa cadeira de rodas, na frente da porta da sala de RX. Havia pelo menos umas 6 ou 8 pessoas que, quando lá cheguei, já estavam a espera. Foi quando chegou o Dr. Raimundo na porta e perguntou indignado:
- Ainda não fizeram o RX do paciente?
Obtendo como resposta do enfermeiro que me acompanhava:
- Ele precisa esperar a vez e tem essas pessoas todas aqui na frente.
- Pois bem, se acontecer alguma coisa com o paciente vou responsabilizar você, o chefe do setor e o hospital, retrucou Dr. Raimundo.
- Eu preciso desse RX agora! Falou ele gritando!
Diante daquela ameaça, o operador do RX saiu da sala e colocou-me na frente de todas aquelas pessoas. Fez o meu RX e ao entregar ao Dr. Raimundo, ele falou para meus familiares o que, só posteriormente, vim a tomar conhecimento:
- Ele precisa entrar na sala de cirurgia agora. Eu não estou em condições de operar pois saí de uma cirurgia neste instante e faz mais de 8 horas que estou operando. Não tenho condições mas, vou pedir a um colega que realize a cirurgia.
Acordei no dia seguinte, num quarto do 6o. andar do hospital, na ala do Egas Moniz, com uma bolsa pregada no meu corpo do lado esquerdo, uma sonda na uretra, outra nasal, mas sem dores. E vivo!
Alberto Valença Lima
Enviado por Alberto Valença Lima em 01/03/2014
Alterado em 17/03/2014