Recanto de Alberto Valença Lima
A mente que se abre a uma nova idéia, jamais voltará ao seu tamanho original. (Albert Einstein)
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O Habeas Pinho

Certa vez, um boêmio de Campina Grande, que estava fazendo serenata numa madrugada qualquer, foi preso pela polícia, por perturbação do sossego público, que levou à delegacia o seresteiro. No dia seguinte, ele pagou fiança e foi solto, mas o violão, o delegado não devolveu.

O delegado fez o inquérito e mandou para Justiça acompanhado do violão como instrumento do crime.

O seresteiro era amigo do advogado Ronaldo Cunha Lima, que já foi governador da Paraíba, senador da república e deputado federal, pedindo a ele para que fizesse alguma coisa para que fosse devolvido seu violão.

Cunha Lima, que também era poeta, dirigiu-se ao Juiz da Comarca, que na época era Dr. Artur Moura, e peticionou em forma de versos para o juiz determinar ao delegado a devolução do violão.

Eis a seguir, o teor da petição.

Senhor Juiz.
Artur Moura
Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,

O instrumento do "crime"que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
É simplesmente, Doutor, um violão.

Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
E nem existe sentimento de afinidade.

O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.

O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão

Mande soltá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.

Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?

Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.

O juiz ao receber tal pedido, resolveu também em versos escrever o seu despacho. E eis o que ele escreveu:

Para que eu não carregue
Remorso no coração
Determino que se entregue
Ao seu dono o violão.

FONTE: Vídeo de uma entrevista do autor (Ronaldo Cunha Lima) disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Wb0v99OANjc
e consultado em 30/03/2018.

* * * * * * *

Uma explicação

Esta história é encontrada na internet narrada de vários modos diversos. Fui na fonte, isto é o próprio advogado que elaborou a petição. E é dele, a narrativva que aqui expus. Alguns dizem que foi um grupo de boêmios que foi preso. Outros chegam até a mudar o nome do Juiz que despachou a liberação do violão. Mas, é o próprio Cunha Lima que afirma o que acima escrevi. Ninguém com maior credibilidade para dizer o que realmente ocorreu concordam?

No Jornal da Poesia, por exemplo, chegam a dizer que o Juiz do caso foi o Dr. Roberto Pessoa de Souza, o que é falso, segundo o próprio protagonista da história. E apresentam um despacho, bem mais elaborado, mas que não condiz com a verdade. Neste jornal eles apresentam a decisão abaixo.

"Recebo a petição escrita em verso 
E, despachando-a sem autuação,  
Verbero o ato vil, rude e perverso,  
Que prende, no Cartório, um violão. 
  
Emudecer a prima e o bordão, 
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso, 
É desumana e vil destruição 
De tudo que há de belo no universo. 
  
Que seja Sol, ainda que a desoras, 
E volte á rua, em vida transviada,  
Num esbanjar de lágrimas sonoras.  
  
Se grato for, acaso ao que lhe fiz, 
Noite de luz, plena madrugada,  
Venha tocar á porta do Juiz."

O despacho acima, segundo o próprio Ronaldo Cunha Lima, na entrevista mencionada e gravada em vídeo, não foi o que o juiz do caso proferiu.

Sobre a maneira de elaborar a petição, tenho a dizer o seguinte:

Embora exista muita controvérsia quanto ao modo de peticionar em forma de versos, de ser ou não legítima, pessoalmente, considero muito louvável a inovação. Li um texto postado pelo poeta Fábio Brandão, aqui deste RL, numa narrativa intitulada "O delegado poeta", onde ele considera errado, um delegado ter feito um relatório de um crime e madado para seus superiores em forma de versos.

Não existe nenhuma lei ou regra, que determine que um relatório tem que ser escrito em forma de prosa. Há sim, elementos essenciais no relatório mas, no caso narrado, o delegado tinha colocado todos esses elementos no seu texto. A única coisa que estava aparentemente em desadordo, era a forma. A meu ver, toda inovação é bem vinda. E se esta não traz nnehum prejuízo, deve ser aceita e até festejada.

E você, o que acha?
Alberto Valença Lima
Enviado por Alberto Valença Lima em 30/03/2018
Alterado em 30/03/2018
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